terça-feira, 1 de janeiro de 2008

O tamanho da encrenca: Attack of the 50ft Woman



Nos anos 1980, o cinema americano censurava a infidelidade masculina em filmes como o arrepiante Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987), de Adrian Lyne. Neste thriller, uma inocente “escapadinha” de final de semana se transformava no pesadelo de Dan Gallagher, o chefe de família interpretado por Michael Douglas. Por mais excitante que fosse “pular a cerca”, ninguém ia querer uma encrenca na vida como Alex Forrest, a personagem de Glenn Close, verdadeiro terror dos marmanjos.
Mas nos anos 1950, o cinema americano de ficção científica já mandava um recado eloqüente aos maridos vidrados num “rabo-de-saia”: Attack of the 50ft. Woman (1958), de Nathan Juran (ou Nathan Hertz). Neste filme bizarro, Harry Archer (William Hudson) deu o golpe do baú casando-se com a milionária Nancy Fowler Archer (Allison Hayes). Boêmio, mulherengo e mau caráter, o Sr. Archer vive como gigolô e seu casamento vai muito mal. A Sra. Archer deu para ter crises nervosas e bebericar além da conta, afogando as mágoas por causa das sucessivas traições do marido. Harry está “pulando a cerca” regularmente para ir “ciscar na freguesia” de Honey Parker (Yvette Vickers), uma ruivinha ambiciosa que o instiga a dar cabo da esposa (Nancy, a esposa, parece bem mais interessante que a vulgar Honey, mas enfim...). Numa de suas brigas com o marido, Nancy Archer sobe no carro e parte rumo ao deserto, onde acaba encontrando uma esfera brilhante enorme, na verdade um veículo espacial tripulado por um gigante alienígena - mais uma vez o deserto americano é o palco ideal para contatos entre terráqueos e extraterrestres. Apavorada, Nancy retorna à cidade e informa sua descoberta ao xerife Dubbitt (George Douglas). O xerife e seu assistente Charlie (Frank Chase, no papel de “bufão” da estória) vão investigar - afinal, “a Sra. Archer é grande pagadora de impostos” -, mas não encontram nada e o caso acaba sendo encarado como mais uma crise de loucura da pobre milionária traída. Harry e sua amante vêem nisso uma boa oportunidade de se livrarem de Nancy. Num dado momento, ele é convencido por Nancy a acompanhá-la ao deserto, em busca do OVNI, e, após horas de procura infrutífera, os dois acabam encontrando a espaçonave. A Sra. Archer faz um escarcéu e o gigante aparece, tomando-a em suas mãos. Apavorado, Harry dá no pé.
Não se fica sabendo exatamente o que o gigante teria feito à pobre Sra. Archer. Pouco depois ela é encontrada sem sentidos e com algumas escoriações, sendo recolhida em seu quarto sob cuidados médicos. Num eco sintomático da Guerra Fria, a radiação, esse substantivo feminino e ameaça invisível, é mencionada. Com o incentivo da amante, Harry tenta matar a esposa injetando-lhe uma dose excessiva de medicamento, mas antes que ele o faça tem lugar um estranho fenômeno: Nancy se torna, ela mesma, um gigante. A essa altura, a história da nave espacial e seu tripulante ciclópico já não é mais sandice para os demais personagens. O xerife e o fiel mordomo de Nancy, Jess Stout (Ken Terrell), vão ao deserto e fazem a mesma descoberta que a Sra. Archer. Quando recupera os sentidos, Nancy quer tomar satisfações com o marido. O problema é que, agora, a Sra. Archer – que já era um mulherão - tem 50 pés de altura (cerca de 15 m), e não vai ser fácil “levá-la na conversa”. Ela então pega Harry “com a boca na botija” (ou seja, na farra com a amante, bebendo na espelunca de sempre), arranca o telhado do estabelecimento, mata a rival, atirando destroços contra ela, e agarra o marido. No fim, alvo das balas do xerife e próximo a uma torre de alta tensão, a Sra. Archer acaba vítima de um curto-circuito (ou coisa que o valha) e termina morta, segurando o corpo do marido em sua mão direita. “She finally got Harry all to herself”, suspira o Dr. Isaac Cushing (Roy Gordon), numa passagem que ainda redime o maridão na última hora. Aliás, o enfoque dos gêneros (masculino e feminino) no filme rende algumas observações curiosas, senão psicanalíticas. Os papéis parecem rearranjados momentaneamente, uma certa subversão se faz anunciar, mas no fim apressado persiste um certo “gosto” de status quo.
Hoje, Attack of the 50ft. Woman parece um filme trash, embora seja mais adequado o rótulo “cult camp classic” impresso na embalagem do DVD da Warner (o filme deu origem a pelo menos um remake, dirigido por Cristopher Guest para a TV em 1993, com Daryl Hannah no papel de Nancy Archer). Mesmo para a época de seu lançamento (1958), os efeitos especiais parecem não muito esmerados. O filme confia o tempo todo nas superposições e na decupagem campo-contracampo para criar o gigantismo, recorrendo a maquetes em algumas poucas cenas (talvez as melhores). Isso é arriscado e não dá bom resultado sempre. Uma das poucas cenas de superposição aparentemente bem-sucedidas está no final, quando a Nancy gigante jaz morta segurando o marido e as pessoas se aproximam do seu corpanzil. No mais, tudo exala uma certa precariedade, possivelmente advinda da escassez de recursos. Mas a própria mise-en-scène se revela irregular, numa narrativa por vezes confusa que opta por soluções urgentes para os problemas – o que pode vir a ser cômico ou curioso, mas também frustrante. O filme tem de tudo um pouco, característica provavelmente responsável tanto por sua virtude quanto por sua ruína. A ficção científica parece “cair de pára-quedas”, dividindo a dominância genérica ainda com o melodrama e o policial. Contudo, no fim das contas, o diretor revela não ter tido medo do ridículo, assinando uma fita bizarra com relances de inventividade - mas sobre um tema desses, poderia ser muito diferente?
Filmes como King Kong (Merian Cooper e Ernest Schoedsack, 1933), Attack of the 50ft. Woman, Them! (Gordon Douglas, 1954) e vários outros são objeto de interesse do professor Oscar de los Santos (Western Connecticut State University, EUA) em seu estudo "Extra Large: Exploring Giant Creature Cinema", uma curiosa investigação sobre os filmes de monstros colossais, apresentada recentemente no 32º Encontro Anual da Science Fiction Research Association (SFRA) em Kansas City, EUA, de 5 a 8 de julho de 2007. Para Oscar de los Santos, a fascinação americana pelo grande (x-tra large) ganha destaque na telona de cinema. Sob um olhar brasileiro – e simplificando bem as coisas -, é como se os EUA fossem no íntimo uma grande Itú (SP), usina de idéias como a Big Science, o Big Foot, o Big Mac, etc., e o cinema a válvula de escape ideal para esses delírios de grandeza. A investigação de Santos ajuda a perceber que esse “gigantismo criativo” (embora nem sempre “criatividade gigantesca”) estimulou técnicas e tecnologias importantes no século do cinema, senão toda uma estética do enorme.
Dentre algumas curiosidades, o cartaz de Attack of the 50ft. Woman, realmente interessante, foi eleito o oitavo melhor na lista "The 25 Best Movie Posters Ever" da Première. Uma seqüência do filme, mais cara e para ser rodada em Cinemascope, chegou a ser cogitada. O roteiro foi elaborado, mas não entrou em fase de produção (Cf. www.imdb.com.br ). A mulher de 15 metros é da altura do moralismo do filme, e não poderia faltar numa galeria de mega-ameaças à estabilidade patriarcal, ao lado de répteis, aranhas, formigas gigantescas e similares. Já cantava Erasmo Carlos: “Dizem que a mulher é o sexo frágil. Mas que mentira absurda...” Attack of the 50ft. Woman mostra o tamanho da encrenca.

“Chá com Biscoitos”: a melhor defesa é o ataque em Earth vs. The Flying Saucers (1956)


Dirigido por Fred F. Sears (talvez mais conhecido por seu trabalho em westerns), Earth vs. The Flying Saucers (1956) abre com uma certa retórica documentária costumeira no cinema de ficção científica dos anos 1950, em que a “voz de Deus” contextualiza a fábula e define as regras do jogo. No filme de Sears, aparições de discos voadores têm sido reportadas ultimamente em diversos pontos do planeta, mas os casos não estão sendo levados muito a sério pelas autoridades. O recém-casado Dr. Russell A. Marvin (Hugh Marlowe), cientista do programa espacial americano, acaba testemunhando, juntamente com sua mulher (Joan Taylor no papel de Carol Marvin), a aparição de um desses objetos voadores não-identificados. Ficaremos sabendo depois que essa aparição fora, na verdade, uma tentativa de comunicação por meio de mensagem sonora codificada. Como de praxe, o contato mais importante entre os ETs e a humanidade se dará por meio de um cientista de renome, rara mente privilegiada capaz de compreender propostas superiores. Pouco depois desse flagrante de um disco-voador pelo Dr. Marvin, os foguetes americanos enviados ao espaço vão sendo abatidos um a um. O cientista vê relação entre os OVNIs e o fracasso da missão espacial, embora os militares não dêem muito crédito à sua hipótese. Até que um disco-voador pousa pela primeira vez em área militar e, ao desembarcarem, os alienígenas são recebidos a bala (sem a menor cerimônia) pelo exército americano.
Senhores de uma tecnologia superior, os discos alienígenas são invulneráveis aos ataques humanos e suas armas têm poder devastador. Um fabuloso sistema de banco de dados armazena todas as experiências contidas na mente de cada terráqueo abduzido, o que dá grande vantagem estratégica aos invasores. O figurino dos ETs os deixa muito parecidos com robôs, mas na verdade os aliens são seres atrofiados, criaturas decrépitas que dependem da tecnologia para sobreviver, trajando armaduras que viabilizam sua movimentação e amplificam seus sentidos. Ressentidos com a recepção deselegante dos terráqueos, os ETs partem agora de vez para a ofensiva. Imagens de arquivo – algumas delas mescladas às animações em stop motion - descrevem os ataques alienígenas, como no caso do abate dos aviões – na verdade o registro de uma colisão durante um show aéreo. Antes disso, as cenas de lançamento dos foguetes americanos correspondem a filmagens de operações dos foguetes Viking – e até mesmo de alguns V-2 alemães, conforme informação publicada em www.imdb.com .
De negociador, o Dr. Martin passa a cabeça da resistência, inventando um aparelho capaz de derrubar os até então virtualmente invulneráveis discos voadores. O choque de civilizações se intensifica e os ETs irradiam uma advertência em diversas línguas (inclusive português) ao redor do mundo, anunciando um ataque ao Sol como demonstração de seu poderio bélico. Imagens documentárias ilustram a instabilidade meteorológica causada pelo ataque alienígena à estrela. O mesmo recurso a imagens de arquivo, mescladas a filmagens em stop motion, ilustra os ataques dos discos, como no caso do abate de alguns aviões.
A humanidade passa por maus bocados, mas o exército americano multiplica o invento do Dr. Martin e, graças a essa tecnologia, os discos voadores começam a ser derrubados. Washington termina razoavelmente destruída, com alguns de seus mais famosos monumentos ou construções arruinados pela queda das naves.
O roteiro de Earth vs. The Flying Saucers, assinado por George Worthing Yates e Bernard Gordon, baseia-se numa adaptação, feita pelo alemão Curt Siodmak, do livro de não-ficção Flying Saucers from Outer Space, escrito pelo major aposentado da Marinha americana Donald E. Keyhoe. Siodmak é conhecido por fãs e pesquisadores de ficção científica por sua obra na literatura do gênero e criação de inúmeros roteiros, dentre eles o de F.P.1, filme alemão (1933) dirigido por Karl Hartl, e Frankenstein Meets the Wolfman (1943), produção da Universal dirigida por Roy William Neill. Nos EUA, Siodmak também foi responsável pela direção de filmes como O Monstro Magnético (1953) e Curussú, A Besta do Amazonas (1956). Assim como o “keep watching the skies!” do final de The Thing from Another World (dir.: Christian Nyby / Howard Hawks, 1951), ao menos uma frase proferida em Earth vs. The Flying Saucers tornou-se famosa e ilustrativa de uma atitude nacionalista americana nos anos 50: “Se eles pousarem sem convite na nossa capital, nós não iremos encontrá-los com chá e biscoitos” (“If they land in our nation’s capital uninvited, we won’t meet them with tea and cookies”). Variação sobre o tema do clássico de H. G. Wells, o roteiro de Earth vs. The Flying Saucers antecipa filmes patrioteiros menos engenhosos como Independence Day (1996), abacaxi assinado por Roland Emmerich, o mais americano dos diretores alemães.
Mas bem que Earth vs. The Flying Saucers tem lá seus altos e baixos. O filme repete sonsamente algumas cenas e sua narrativa é irregular. Determinadas passagens são, na verdade, imagens tomadas de empréstimo de outros filmes, como Rocketship X-M (dir.: Kurt Neumann, 1950), O Dia em que a Terra Parou (The Day the Earth Stood Still, dir.: Robert Wise, 1951) e Guerra dos Mundos (The War of the Worlds, dir.: Byron Haskin, 1953) Todavia, pelo menos dois aspectos do filme chamam positivamente a atenção: o design de produção elegante (conforme se verifica na aparência externa dos discos e no décor de seu interior) e os efeitos visuais de qualidade, assinados pelo mestre Ray Harryhausen, o mago da animação em stop motion por trás de Mighty Joe Young (dir.: Ernest B. Schoedsack, 1949), The Beast from 20.000 Fathoms (dir.: Eugène Lourié, 1953), The 7th Voyage of Sinbad (dir.: Nathan Juran, 1958) e Fúria de Titãs (Clash of the Titans, dir.: Desmond Davis, 1981), entre outros títulos. Grosso modo, a técnica do stop motion consiste na captura de diversas etapas do movimento de um modelo. Projetadas à velocidade de 24 frames por segundo, o conjunto das imagens estáticas simula a movimentação do modelo filmado. Harryhausen começou a trabalhar com animação inspirado pela façanha de Willis H. O’Brien e demais artistas dos efeitos visuais em King Kong (dir.: Merian Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933). Nascido em Los Angeles, EUA, em 1920, e desde jovem interessado por ficção científica (especialmente “mundos perdidos” e dinossauros), Harryhausen tornou-se grande amigo do escritor Ray Bradbury, do qual veio a receber um Oscar pelo conjunto da obra em 1992. Em Earth vs. The Flying Saucers, a arte de Harryhausen torna as cenas de destruição ou dos discos em ação deliciosamente convincentes. Devido ao orçamento reduzido, que não permitia o uso de câmeras mais adequadas, as cenas de destruição de prédios e monumentos de Washington tiveram de ser totalmente animadas. Para essas tomadas, cada fragmento das maquetes a ser deslocado pela colisão com os discos era preso por fio de arame e filmado em stop motion. Earth vs. The Flying Saucers, bem como outras produções em que Harryhausen trabalhou, constituem um vasto laboratório de experimentações no entroncamento do cinema de animação com o chamado live action (ou cinema convencional, dos atores de carne e osso). Pode-se dizer que o interesse por Earth vs. The Flying Saucers no decorrer do tempo tem sido mantido, em grande medida, pelo encanto perene do trabalho de Harryhausen.
Exemplo de um cinema de FC nacionalista americano, típico dos anos 1950, Earth vs. The Flying Saucers traz imagens interessantes ainda hoje, não só pela qualidade dos efeitos e beleza visual, mas também pelo substrato político que evocam. Afinal, após o 11/9, as colisões dos discos voadores contra monumentos-símbolo, no coração da América, parecem investidas de caráter premonitório e trágica atualidade.

El Extraño Caso del Hombre y la Bestia


El Extraño Caso del Hombre y la Bestia (1951), produção da Argentina Sono Film S.A.C.I. dirigida e protagonizada por Mario Soffici, inicia de forma bastante fiel à novela de R. L. Stevenson, com uma conversa entre dois cavalheiros a respeito de uma estranha porta que dá para os fundos da casa do Dr. Jekyll. Nessa conversa, o personagem do advogado (equivalente a Utterson na narrativa original) ouve relato a respeito de uma estranha ocorrência, dias atrás, quando uma criança fora agredida por um homem repugnante.
Diferentemente de futuras adaptações americanas da estória de Stevenson, o ponto de vista não se confunde logo de imediato com o do Dr. Jekyll, num procedimento que imita a estrutura narrativa da novela. Mais eventos fiéis ao texto original irão se suceder, como o misterioso assassinato de um homem a golpes de bengala (o assassinato de Sir Carew Danvers, no original). Mas logo o filme assume um tratamento mais livre da criação de Stevenson, como em futuras adaptações da mesma obra.
Decidido a não mais se transformar em Hyde (tarde demais, porém), Jekyll terá mulher e um filho, personagens totalmente ausentes da novela. Mas não demora muito para que retorne o reprimido. A caracterização do monstro merece destaque nesta adaptação argentina do texto de um escocês. Ao invés de uma figura oblíqua, portadora de uma deformidade indefinível, Eduardo Hyde é um homem esguio, se move com certa agilidade e parece fisicamente poderoso. Ele é completamente calvo (em contraposição a um Dr. Jekyll de barba e cabelos grisalhos), tem unhas compridas, dentes pontiagudos projetados e pele escura. Hyde chega a lembrar o Nosferatu de Murnau em alguns momentos, exceto pela pele escura, que confere um caráter racista difícil de dissimular neste filme argentino.
Merecem destaque também as seqüências de transformação, nada constrangedoras se comparadas às de adaptações posteriores. Na primeira, talvez a mais interessante, Jekyll está brincando com seu filho quando começa a sentir os efeitos de uma transformação involuntária. Ele sai em disparada pela casa, atravessa o quintal e chega à casa dos fundos onde, à meia-luz, revela-se na pele de Hyde. A segunda transformação se dá num túnel do metrô, com a sombra dos vagões passantes projetada sobre o rosto de Jekyll enquanto este assume sua identidade nefasta. A terceira transformação, desta vez de Jekyll em Hyde, aos olhos de uma testemunha, também surpreende pela técnica. A fotografia de El Extraño Caso del Hombre y la Bestia é assinada por Antonio Merayo e lembra a das películas alemãs dos anos 1920. O sucesso das seqüências de transformação é creditado também a Neron Kesselman, chefe do departamento de maquiagem da Sono Films, que começou sua carreira ajudando a escurecer a pele dos atores que interpretavam índios nos filmes de gaúcho. Kesselman utilizava um pó cor de laranja para obter a pele morena fotografada em preto e branco. Em El Extraño Caso del Hombre y la Bestia, Mario Soffici teve de raspar a cabeça para interpretar o papel de Hyde, usando uma peruca nas cenas em que fazia Jekyll.
A introdução de uma esposa do Dr. Jekyll, algo bastante singular, promove situações inusitadas, como o médico elaborando estratagemas para manter sua família em segurança. Conforme as transformações em Hyde vão se tornando mais freqüentes, Jekyll vai se isolando por cada vez mais tempo na casa dos fundos. Mais interessante que isso, porém, é como o filme mistura as duas personalidades antagônicas. Mesmo Hyde evita desesperadamente o contato com o filho de Jekyll, temendo pela criança. Com base na novela de Stevenson, toda e qualquer bondade de Hyde é algo totalmente inesperado.
Embora em circunstâncias diferentes, o suicídio de Hyde/Jekyll acaba por reatar o filme, em seus últimos momentos, ao texto original. Em suma, El Extraño Caso del Hombre y la Bestia é uma experiência interessante do cinema argentino no campo da narrativa fanástica ou de ficção científica, prenunciando uma qualidade, familiaridade e até mesmo ousadia pouco comuns nas demais cinematografias latino-americanas.
No cinema brasileiro, O Médico e o Monstro não seria pensado senão enquanto paródia ou chanchada. No cinema argentino não. As verdadeiras razões dessa diferença podem esclarecer aspectos importantes a respeito da ficção científica no nosso cinema.

Bye, bye Terra querida...


When Worlds Collide (1951) abre com uma citação do Velho Testamento que anuncia o “espírito” do filme, nada menos que uma adaptação do tema da Arca de Noé para o contexto da ficção científica. Nesta produção de George Pal em Technicolor, cientistas reputados descobrem que uma estrela (Bellus) invadiu o Sistema Solar e está em rota de colisão com a Terra. Antes do choque, porém, o planeta que orbita essa estrela (Zyra) passará bem próximo da Terra, provocando uma série de cataclismos. O Dr. Cole Hendron (Larry Keating) é o principal porta-voz desse alerta e idealizador de um plano de salvamento para a espécie humana. Ele defende a construção de uma espaçonave que cumpriria a função da Arca de Noé. Antes do choque com a estrela, algumas dezenas de pessoas selecionadas e animais da fauna terráquea deveriam embarcar na espaçonave e deixar a Terra rumo a Zyra, aproveitando a proximidade entre os dois corpos celestes.
O problema é convencer o restante da comunidade científica e as autoridades mundiais de que a catástrofe é iminente e não há outra saída senão esse plano audacioso. Numa reunião de cúpula com delegações do mundo inteiro, os representantes das nações questionam e desacreditam o Dr. Hendron. Nessa seqüência, a manifestação do representante do Brasil soa lisonjeira aos espectadores tupiniquins, afinal ele fala em bom português (embora de Portugal). Mas a reunião não acaba bem para a humanidade. O alerta do Dr. Hendron é subestimado e o tempo continua correndo. Entra em cena Sydney Stanton (John Hoyt), um rude milionário que resolve patrocinar a construção da espaçonave para salvar sua vida – sim, não é altruísmo nem solidariedade que move o milionário, mas egoísmo puro. Quando a conta é astronômica, o Estado mínimo liberal tira o time de campo, e mais uma vez é a iniciativa privada que propele os grandes feitos da humanidade (como em Destination Moon).
Feito o acordo entre Stanton e o Dr. Hendron, a “Arca” começa a ser construída. Desenhada por Chesley Bonestell, a nave de metal polido tem um design elegante e deve decolar com o auxílio de um gigantesco tobogã. Nesse meio tempo, Zyra passa perto da Terra e provoca destruição em massa no planeta. Muitas imagens de arquivo e cenas curiosas obtidas com o uso de maquetes ilustram a devastação. Dentre as imagens mais curiosas de When Worlds Collide estão a das “ondas gigantes” invadindo o centro de Nova York, ou a da metrópole submersa, vista de um helicóptero por David Randall (Richard Derr) e o Dr. Tony Drake (Peter Hansen). Tais imagens demonstram que filmes como O Dia Depois de Amanhã (The Day After Tomorrow, dir. Roland Emmerich, 2004) ou Armaggedon (dir. Michael Bay, 1998) reeditam idéias de When Worlds Collide, com efeitos especiais atualizados. Vale a pena lembrar que Gordon Jennings arrebatou o Oscar de Efeitos Especiais de 1952 pelo trabalho em When Worlds Collide.
A Terra está em ruínas e Bellus continua a caminho para o golpe de misericórdia. Começam os sorteios para decidir quem, dentre os mais aptos, deverá ocupar os assentos restritos da espaçonave. Tem início uma série de conflitos decorrentes do instinto de sobrevivência e/ou sentimentos menos nobres da espécie humana. A espaçonave acaba decolando em meio a grande confusão, pouco antes do choque de Bellus com a Terra. A bordo não está o milionário Stanton, para seu desespero seguro em terra pelo Dr. Hendron. Num último ato de altruísmo, o cientista defende que cada tripulante implica gasto de combustível, e dois velhos a menos na espaçonave aumentariam as chances dos jovens chegarem sãos e salvos a Zyra. A arca interplanetária pousa em Zyra, que inicialmente apresenta uma topografia montanhosa, coberta de neve. Num rompante, parte da tripulação abre a comporta da espaçonave, num lance tão anti-científico quanto passional. Mas depois de toda essa aventura, não seria uma simples atmosfera a estragar o futuro da espécie humana – e do casal David Randall e Joyce Hendron (Bárbara Rush). Zyra não só tem ar fresco e respirável, como uma paisagem idílica (verdadeira pintura), que John Brosnan comenta remeter aos desenhos da Disney (The Primal Screen, 48). Segundo o Internet Movie Data Base (www.imdb.com), Pal pretendia utilizar maquetes para descrever a paisagem de Zyra, mas a Paramount teria lançado o filme antes que esse trabalho pudesse ser feito, mantendo a pintura precária usada preliminarmente. O filme termina com David e Joyce descendo juntos as escadas da espaçonave, como Adão e Eva em direção a um novo Éden.
Comparado a Destination Moon (dir. Irving Pichel, 1950), When Worlds Collide parece menos preocupado com detalhes de verossimilhança científica - ainda que também tenha contado com a consultoria técnica de Chesley Bonestell, especialista em paisagens interplanetárias e demais tipos de “arte astronômica”. O problema da gravidade, por exemplo, inexiste no interior da espaçonave, e o próprio tema central (a colisão de uma estrela contra a Terra) é cientificamente volúvel, pelo menos sob o exame da Física e Astronomia atuais. O plano proposto pelo Dr. Hendron é totalmente fabuloso, e fica a impressão de que premissas científicas são valorizadas ou completamente omitidas segundos interesses da fábula – aliás, algo natural e costumeiro numa narrativa de ficção científica, mas já feito de maneira mais habilidosa. O filme contém vários erros científicos, de roteiro e de continuidade, conforme pode ser conferido em http://www.imdb.com/title/tt0044207/goofs. Exemplo de deficiência incômoda da produção são as imagens indicativas da Nova York deserta, fotografias que se denunciam pelas pessoas “congeladas” na paisagem. Conforme aponta John Brosnan, o choque de Bellus com a Terra não é mostrado nitidamente (The Primal Screen, p. 48). Além disso, Brosnan pergunta com bom humor se When Star and Planet Collide não seria um título mais preciso para o filme (The Primal Screen, p. 48). Mas nada disso importa afinal, na medida em que tudo serve ao propósito de recriar o mito de Noé num contexto interplanetário. Até o triângulo amoroso entre os personagens do piloto Randall, do Dr. Tony e de Joyce Hendron é eclipsado pela atmosfera de crise e imagens impressionantes, resolvendo-se de forma surpreendentemente civilizada. Mais relevantes que as especulações científicas talvez sejam as sociológicas e psicológicas, conforme se verifica na escalada da tensão face à proximidade do apocalipse. O espetáculo é a prioridade, ao qual se submetem toda e qualquer premissa (pseudo)científica.
When Worlds Collide é baseado no romance de mesmo nome de Edwin Balmer e Philip Wylie, pulicado em 1934. Os direitos do livro foram originalmente comprados pela Paramount para que Cecil B. DeMille filmasse a estória. Mas como em A Guerra dos Mundos (The War of the Worlds), DeMille acabou abandonando o projeto. Dirigido por Rudolph Maté (cineasta nascido na Polônia, começou sua carreira como cameraman já no período mudo), When Worlds Collide tem seu roteiro assinado por Sydney Boehm. Boehm se tornaria especialista em roteiros de filmes policiais, escrevendo o script de The Big Heat (1953), de Fritz Lang, entre outros trabalhos (Cf. John Brosnan, The Primal Screen, p. 46). A idéia do choque entre planetas pode ser tomada como metáfora do holocausto nuclear, e foi provavelmente explorando essa analogia que Pal deve ter conseguido viabilizar a produção (Cf. John Brosnan, The Primal Screen, p. 48). Com efeitos interessantes e imagens fabulosas que preconizam o espetáculo, When Worlds Collide é representativo do boom do cinema de FC americano dos anos 1950, bem como de um cine-metáfora da paranóia nuclear onipresente nos tempos da Guerra Fria, figurando até hoje como filme-matriz da vertente dos disaster movies - filmes de apocalipse que procuram sublinhar os traços mais nobres da humanidade em perigo.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

post de André Brandão:
A viagem a lua foi uma experiência de conquistas extraordinárias - a não ser, é claro, pela conquista da própria lua... De lá os astronautas trouxeram alguns quilos de pedras, fotos e filmes, e deixaram uma pegada, uma bandeira e muita sucata. Já não existia nada naquele satélite que o homem não conhecesse! Só que as pesquisas científicas e o domínio da tecnologia necessária ao projeto da viagem espacial inauguraram uma nova era: o destino dessa viagem foi o "futuro", a lua era só uma pequena "escala".
Será o que o mesmo não pode acontecer com a experiência da viagem no tempo? Deixando de lado todas as nossas fantasias, acredito que uma viagem como essa só se justifica se o homem puder mudar o destino da humanidade. Temos esse direito? Por exemplo: seria possível evitar a Segunda Grande Guerra Mundial? Evitar a morte de seis milhões de judeus, vinte milhões de russos, Hiroshima e Nagasaki, cinqüenta milhões de vidas no total? E como justificar essa nossa intervenção? Teríamos, por exemplo, o direito de julgar, condenar e cumprir uma sentença póstuma contra o jovem Adolf Hitler? O "Tribunal de Nuremberg" condenou onze oficiais nazistas à morte, mas nenhuma dessas condenações precedeu os crimes cometidos contra a humanidade. No caso da visita de um carrasco ao passado do futuro fürer, a condenação iria se cumprir por crimes que ele não cometeu e nem cometerá, já que essa é a decisão do próprio tribunal que o condenou. Só que já não existem crimes a serem julgados, pois o "terceiro reich" não vai existir. No que é que se sustenta, então, a "tese da promotoria"? Qual é a jurisprudência? Esse tribunal é legítimo? Podemos condenar um homem por crimes que ele não vai cometer? Se esse homem é inocente, por que levá-lo ao "banco dos réus"? Mas sem condená-lo, como evitar uma guerra que justifica sua condenação?
Outra questão: a quem é que interessa um projeto como esse? Será que aos Estados Unidos da América pode ser interessante ajudar a escrever uma nova Hístoria? Sem a segunda guerra mundial eles seriam, hoje, o que são? E sem a participação dos Estados Unidos - numa realidade como a nossa - esse projeto seria possível? Afinal: o que é que justifica uma viagem no tempo - para quem e por que?

Fahrenheit 451: curiosidades do filme


Curiosidades - O título Fahrenheit 451 é uma referência à temperatura que os livros são queimados. Convertido para Celsius, esta temperatura equivale a 233 graus.

Vejam estas e outras curiosidades, ficha técnica, resenha e comentários do filme do diretor François Truffaut em: http://www.adorocinema.com/filmes/fahrenheit-451/fahrenheit-451.asp

abraços em chamas
Igor Capelatto

Efeito Borboleta

Efeito Borboleta por Igor Capelatto
publicado 08 julho 2005 no site Fábrica de Quadrinhos



Efeito Borboleta (de Eric Bress e J. Mackye Gruber 2004)

Nem todo mundo tem lembranças agradáveis sobre o seu passado. Algumas guardam feridas que nunca se cicatrizarão. E sofrem e sofrerão tristes conseqüências por causa desse passado. E quase todo mundo já deve ter sentido aquele desejo de voltar ao passado e corrigir seus erros. Ou evitar catástrofes, assassinatos, abusos, acidentes caseiros etc. Mas será que isto é possível? E se fosse, o que será que aconteceria?

Evan é um jovem que conseguiu tal façanha. Lendo seu diário e recordando os momentos dolorosos de seu passado ele acaba voltando ao passado, não no seu corpo atual, mas sim no seu corpo daquele momento de sua vida. Tudo que Evan quer é corrigir os problemas de sua vida e salvar seu grande amor Kayleigh. Entretanto cada vez que ele muda algo do passado o seu presente altera-se. Ele pode mudar o passado, mas jamais poderá prever as conseqüências deste novo ato.

Parece ser um filme de viajem no tempo, um simples roteiro ficcional. Entretanto, este filme é mais do que uma aventura temporal, mais do que um drama, mais do que suspense.

Ele é uma pura lição de responsabilidade (pelos nossos atos) e de como lidarmos com os fardos de nosso passado. O objetivo dos criadores da trama, Eric Bress e J. Mackye Gruber, era construir uma história que nos reverte aos problemas psicológicos da nossa mente e nos ensina como suportar o nosso passado, de forma a nos revelar que não é apagando uma ação, consertando um erro que vamos mudar nossa realidade, mas sim aprendendo a conviver com as conseqüências destes atos e tomar elas como lição de vida para evitarmos assim novos erros e então construir a vida que tanto almejamos.

Mas porque então Efeito Borboleta? Como é colocado no inicio do filme: "uma borboleta que bate asas na China pode causar um furacão na América". Esta é uma simples explicação para a Teoria do Caos - o efeito borboleta - estudo realizado por Edward Lorenz (meteorologista e matemático) - que mostra como uma simples ação (o bater de asas de uma borboleta) pode influenciar o curso natural das coisas. Usando esta teoria, Bress e Gruber nos mostram como uma pequena coisa que realizamos pode vir a mudar completamente a nossa vida. Às vezes nem precisa ser um gesto, basta uma palavra.

links: http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_borboleta (Explicação sobre a Teoria do Caos)
http://www.fabricadequadrinhos.com.br/indexo.php?conteudo=antimateria&id=3975
(página deste artigo)