terça-feira, 1 de janeiro de 2008
“Chá com Biscoitos”: a melhor defesa é o ataque em Earth vs. The Flying Saucers (1956)
Dirigido por Fred F. Sears (talvez mais conhecido por seu trabalho em westerns), Earth vs. The Flying Saucers (1956) abre com uma certa retórica documentária costumeira no cinema de ficção científica dos anos 1950, em que a “voz de Deus” contextualiza a fábula e define as regras do jogo. No filme de Sears, aparições de discos voadores têm sido reportadas ultimamente em diversos pontos do planeta, mas os casos não estão sendo levados muito a sério pelas autoridades. O recém-casado Dr. Russell A. Marvin (Hugh Marlowe), cientista do programa espacial americano, acaba testemunhando, juntamente com sua mulher (Joan Taylor no papel de Carol Marvin), a aparição de um desses objetos voadores não-identificados. Ficaremos sabendo depois que essa aparição fora, na verdade, uma tentativa de comunicação por meio de mensagem sonora codificada. Como de praxe, o contato mais importante entre os ETs e a humanidade se dará por meio de um cientista de renome, rara mente privilegiada capaz de compreender propostas superiores. Pouco depois desse flagrante de um disco-voador pelo Dr. Marvin, os foguetes americanos enviados ao espaço vão sendo abatidos um a um. O cientista vê relação entre os OVNIs e o fracasso da missão espacial, embora os militares não dêem muito crédito à sua hipótese. Até que um disco-voador pousa pela primeira vez em área militar e, ao desembarcarem, os alienígenas são recebidos a bala (sem a menor cerimônia) pelo exército americano.
Senhores de uma tecnologia superior, os discos alienígenas são invulneráveis aos ataques humanos e suas armas têm poder devastador. Um fabuloso sistema de banco de dados armazena todas as experiências contidas na mente de cada terráqueo abduzido, o que dá grande vantagem estratégica aos invasores. O figurino dos ETs os deixa muito parecidos com robôs, mas na verdade os aliens são seres atrofiados, criaturas decrépitas que dependem da tecnologia para sobreviver, trajando armaduras que viabilizam sua movimentação e amplificam seus sentidos. Ressentidos com a recepção deselegante dos terráqueos, os ETs partem agora de vez para a ofensiva. Imagens de arquivo – algumas delas mescladas às animações em stop motion - descrevem os ataques alienígenas, como no caso do abate dos aviões – na verdade o registro de uma colisão durante um show aéreo. Antes disso, as cenas de lançamento dos foguetes americanos correspondem a filmagens de operações dos foguetes Viking – e até mesmo de alguns V-2 alemães, conforme informação publicada em www.imdb.com .
De negociador, o Dr. Martin passa a cabeça da resistência, inventando um aparelho capaz de derrubar os até então virtualmente invulneráveis discos voadores. O choque de civilizações se intensifica e os ETs irradiam uma advertência em diversas línguas (inclusive português) ao redor do mundo, anunciando um ataque ao Sol como demonstração de seu poderio bélico. Imagens documentárias ilustram a instabilidade meteorológica causada pelo ataque alienígena à estrela. O mesmo recurso a imagens de arquivo, mescladas a filmagens em stop motion, ilustra os ataques dos discos, como no caso do abate de alguns aviões.
A humanidade passa por maus bocados, mas o exército americano multiplica o invento do Dr. Martin e, graças a essa tecnologia, os discos voadores começam a ser derrubados. Washington termina razoavelmente destruída, com alguns de seus mais famosos monumentos ou construções arruinados pela queda das naves.
O roteiro de Earth vs. The Flying Saucers, assinado por George Worthing Yates e Bernard Gordon, baseia-se numa adaptação, feita pelo alemão Curt Siodmak, do livro de não-ficção Flying Saucers from Outer Space, escrito pelo major aposentado da Marinha americana Donald E. Keyhoe. Siodmak é conhecido por fãs e pesquisadores de ficção científica por sua obra na literatura do gênero e criação de inúmeros roteiros, dentre eles o de F.P.1, filme alemão (1933) dirigido por Karl Hartl, e Frankenstein Meets the Wolfman (1943), produção da Universal dirigida por Roy William Neill. Nos EUA, Siodmak também foi responsável pela direção de filmes como O Monstro Magnético (1953) e Curussú, A Besta do Amazonas (1956). Assim como o “keep watching the skies!” do final de The Thing from Another World (dir.: Christian Nyby / Howard Hawks, 1951), ao menos uma frase proferida em Earth vs. The Flying Saucers tornou-se famosa e ilustrativa de uma atitude nacionalista americana nos anos 50: “Se eles pousarem sem convite na nossa capital, nós não iremos encontrá-los com chá e biscoitos” (“If they land in our nation’s capital uninvited, we won’t meet them with tea and cookies”). Variação sobre o tema do clássico de H. G. Wells, o roteiro de Earth vs. The Flying Saucers antecipa filmes patrioteiros menos engenhosos como Independence Day (1996), abacaxi assinado por Roland Emmerich, o mais americano dos diretores alemães.
Mas bem que Earth vs. The Flying Saucers tem lá seus altos e baixos. O filme repete sonsamente algumas cenas e sua narrativa é irregular. Determinadas passagens são, na verdade, imagens tomadas de empréstimo de outros filmes, como Rocketship X-M (dir.: Kurt Neumann, 1950), O Dia em que a Terra Parou (The Day the Earth Stood Still, dir.: Robert Wise, 1951) e Guerra dos Mundos (The War of the Worlds, dir.: Byron Haskin, 1953) Todavia, pelo menos dois aspectos do filme chamam positivamente a atenção: o design de produção elegante (conforme se verifica na aparência externa dos discos e no décor de seu interior) e os efeitos visuais de qualidade, assinados pelo mestre Ray Harryhausen, o mago da animação em stop motion por trás de Mighty Joe Young (dir.: Ernest B. Schoedsack, 1949), The Beast from 20.000 Fathoms (dir.: Eugène Lourié, 1953), The 7th Voyage of Sinbad (dir.: Nathan Juran, 1958) e Fúria de Titãs (Clash of the Titans, dir.: Desmond Davis, 1981), entre outros títulos. Grosso modo, a técnica do stop motion consiste na captura de diversas etapas do movimento de um modelo. Projetadas à velocidade de 24 frames por segundo, o conjunto das imagens estáticas simula a movimentação do modelo filmado. Harryhausen começou a trabalhar com animação inspirado pela façanha de Willis H. O’Brien e demais artistas dos efeitos visuais em King Kong (dir.: Merian Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933). Nascido em Los Angeles, EUA, em 1920, e desde jovem interessado por ficção científica (especialmente “mundos perdidos” e dinossauros), Harryhausen tornou-se grande amigo do escritor Ray Bradbury, do qual veio a receber um Oscar pelo conjunto da obra em 1992. Em Earth vs. The Flying Saucers, a arte de Harryhausen torna as cenas de destruição ou dos discos em ação deliciosamente convincentes. Devido ao orçamento reduzido, que não permitia o uso de câmeras mais adequadas, as cenas de destruição de prédios e monumentos de Washington tiveram de ser totalmente animadas. Para essas tomadas, cada fragmento das maquetes a ser deslocado pela colisão com os discos era preso por fio de arame e filmado em stop motion. Earth vs. The Flying Saucers, bem como outras produções em que Harryhausen trabalhou, constituem um vasto laboratório de experimentações no entroncamento do cinema de animação com o chamado live action (ou cinema convencional, dos atores de carne e osso). Pode-se dizer que o interesse por Earth vs. The Flying Saucers no decorrer do tempo tem sido mantido, em grande medida, pelo encanto perene do trabalho de Harryhausen.
Exemplo de um cinema de FC nacionalista americano, típico dos anos 1950, Earth vs. The Flying Saucers traz imagens interessantes ainda hoje, não só pela qualidade dos efeitos e beleza visual, mas também pelo substrato político que evocam. Afinal, após o 11/9, as colisões dos discos voadores contra monumentos-símbolo, no coração da América, parecem investidas de caráter premonitório e trágica atualidade.
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