On the Beach é na verdade a adaptação cinematográfica de um dos mais famosos livros de Nevil Shute, engenheiro aeronáutico e escritor britânico que, após a II Guerra Mundial, mudou-se com a família para Langwarrin, a sudeste de Melbourne, Austrália. A obra literária de Shute é marcada por um humanismo particular, por vezes relacionado à tecnologia, seu emprego e seu impacto sobre o indivíduo e a sociedade. O filme de Stanley Kramer, porém, parece não ter agradado completamente ao escritor, em função das liberdades que teriam sido tomadas com seus personagens (Cf. http://en.wikipedia.org/wiki/Nevil_Shute).
O escritor e editor americano Frederick Pohl já destacou o papel da ficção científica no alerta para desastres ecológicos e sociais, observando que “o movimento ambiental foi certamente ajudado por estórias de FC que descreveram um planeta espoliado”, e que o romance On the Beach, de Nevil Shute, juntamente com sua adaptação cinematográfica, podem ter tido seu papel na contenção de uma guerra nuclear, assim como 1984 pode ter contribuído para evitar que o verdadeiro ano de 1984 fosse o da terrível tirania mundial descrita por George Orwell (Cf. “The Study of Science Fiction: A Modest Proposal”, Science Fiction Studies, nº 71, v. 24, parte 1, março de 1997, disponível em http://www.depauw.edu/sfs/backissues/71/pohl71.htm).
No filme On the Beach, em 1964 que estoura uma guerra nuclear que devasta as populações do norte do planeta. Em poucos meses a radioatividade chegará à Austrália, matando os últimos sobreviventes da espécie humana. Um misto de melancolia, ansiedade e desejo de viver intensamente acomete a população. Um submarino nuclear americano, sobrevivente do conflito, aporta em Melbourne. O tenente-comandante Dwight Lionel Towers (Gregory Peck) e sua tripulação recebem guarida na cidade, reunindo-se ao comando local. Um sentimento de atração surge entre Moira Davidson (Ava Gardner) e o capitão, mas este resiste ao envolvimento, por ser casado e pai de dois filhos, ainda que sua família não tenha sobrevivido nos EUA. Na Austrália, os militares interceptam uma intrigante mensagem em código Morse, originária da região de San Diego. Decididos a investigar a origem da mensagem, procurar por sobreviventes e checar os níveis de radiação no hemisfério norte, o capitão Dwight e sua tripulação são enviados no Sawfish aos EUA, para uma missão de reconhecimento.
O submarino chega a San Francisco e os tripulantes encontram uma cidade absolutamente deserta, a qual investigam a distância, por meio dos periscópios. Imagens da Golden Gate e das ruas da cidade completamente sem vida reavivam o tabu do cinema sem movimento. Há algo mesmo de psicanalítico nessas imagens de grandes espaços urbanos desabitados. Um dos marujos abandona o submarino e parte a nado para viver seus últimos dias em sua cidade natal. Algum tempo depois, enquanto pesca como único habitante de San Francisco – com sua saúde ainda indiferente ao veneno invisível da radiatividade -, recebe a visita do Sawfish. Por meio do alto-falante do submarino, o capitão se despede de seu subordinado e, após curioso diálogo entre homem e máquina, o Sawfish prossegue em sua missão.
Finalmente o sbmarino chega à localidade de origem da mensagem em Morse, e sua tripulação tem uma ingrata e irônica surpresa. O vento agitando uma persiana, presa a uma garrafa de Coca-Cola, alimentou falsas expectativas. O capitão comunica a descoberta ao comando em Melbourne e o Sawfish retorna à Austrália. A ordem na cidade australiana já vinha sendo aproveitar a vida que resta. Nesse cenário, Julian Osborne se realiza numa corrida violenta, vencendo um Grand Prix da Austrália que mais parece um ritual de suicídio coletivo – o personagem do piloto tem a ver com a experiência do próprio Nevil Shute, registrada no romance e inspirada na sua breve carreira (1956-58) pilotando um Jaguar XK140 branco em corridas na Austrália. Até o comandante Dwight finalmente se rende à paixão por Moira. Tempos idílicos sobrevirão, mas logo aparecem os primeiros efeitos da chegada da radiação ao país. Uma a uma as pessoas começam a apresentar sintomas de contaminação por radioatividade. Planos da praça onde a população se reunia denotam as perdas de vidas, à medida em que cada vez menos pessoas comparecem às sessões públicas de solidariedade.
Dwight acaba atendendo aos apelos de sua tripulação e decide voltar aos EUA, para que todos morram em sua pátria. Despede-se de Moira, que da orla o assiste partir no Sawfish. On the Beach é um dos raros filmes que exploram com sensibilidade o drama da iminência do holocausto nuclear, abordando tema similar ao de O Sacrifício (Offret, 1986), de Andrei Tarkovsky. Planos por vezes inclinados, a câmera desnivelada, combalida, traduzem a melancolia de uma civilização no corredor da morte. O filme termina com imagens da bela Melbourne deserta, seguidas de uma mensagem explícita, endereçada diretamente ao espectador da década de 50: a praça de reuniões, agora completamente vazia, ainda ostenta a faixa cujos dizeres ganham novo significado: “Ainda há tempo... irmão.”
Segundo informações de bastidores publicadas no Internet Movie Database (http://www.imdb.com/), a marinha americana não cooperou com a produção de On the Beach e, ao invés de um submarino nuclear, foi usado nas filmagens um submarino diesel-elétrico britânico, o HMS Andrew. O filme foi rodado parcialmente em Berwick, no subúrbio de Melbourne, e algumas ruas que estavam sendo construídos naquela época acabaram ganhando nomes inspirados no filme, como Gardner Street, Shute Avenue e Kramer Drive. De acordo com Philip R. Davey, autor de When Hollywood Came to Melbourne: The Story of the Making of Stanley Kramer's On The Beach, Stanley Kramer teve muitos problemas com os milhares de banhistas curiosos que circundavam as filmagens e aplaudiam os atores. Na tentativa de se aproximar de Ava Gardner, muitos entravam em cena e obrigavam o diretor e sua equipe a repetir várias tomadas. On the Beach também foi o filme em que Fred Astaire fez seu primeiro papel dramático, fora do musical.
[1] ”The war started when people accepted the idiotic principle that peace could be maintained by arranging to defend themselves with weapons they couldn't possibly use without committing suicide.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário